quinta-feira, 3 de novembro de 2011

FORMAÇÃO DO BRASIL CONTEMPORÂNEO - CAIO PRADO JÚNIOR

O livro Formação do Brasil Contemporâneo de Caio Prado Júnior faz um retrospecto no período de colonização do Brasil. O livro está dividido em cinco partes principais, sendo elas:

1. Introdução – texto único;
2. Sentido da Colonização – texto único;
3. Povoamento – subdividido em quatro capítulos;
4. Vida Material – subdividido em nove capítulos;
5. Vida Social – subdividido em três capítulos.

 Em linhas gerais o autor expõe no livro “Formação do Brasil Contemporâneo” de forma clara e contundente que o sentido da colonização é nada mais que fornecer bens agrícolas tropicais para serem comercializados no exterior. Os argumentos desenvolvidos na obra complementam e remetem ao capítulo, “O sentido da colonização”.
O sentido da colonização estaria nos três séculos de exploração metropolitana, nos fins mercantis e no povoamento necessário para a organização de gêneros tropicais rentáveis para o comércio.
 A colonização do Brasil fez surgir uma sociedade original, baseada numa empresa do colono branco, de caráter mercantil, para produção de gêneros de grande valor comercial, com trabalho de indígenas ou negros africanos.
Toda a sociedade e suas forças foram moldadas, ao longo da colonização, para atender a tal objetivo metropolitano. Constituindo, portanto uma sociedade voltada para o mercado externo, com bases sociais internas frágeis como explicita o autor quando relata o processo de estruturação da sociedade brasileira até se chegar à nossa atual sociedade.
Nas palavras de Caio Prado, não se tratava de organizar uma colonização de povoamento e sim “a produção de gêneros que interessavam o seu comércio”.

“Tudo que se passa são incidentes da imensa empresa comercial a que se dedicam os países da Europa a partir do séc. XV, e que lhes alargará o horizonte pelo Oceano afora. Não têm outro caráter a exploração da costa africana e o descobrimento e colonização das Ilhas pelos portugueses, o roteiro das Índias, o descobrimento da América, a exploração e ocupação de seus vários setores”.  (pag. 20-21)

O conjunto sobre o pensamento da obra de Caio Prado sobre o período colonial é fundamental e para muitos críticos de sua obra se constitui a base de uma interpretação marxista que propõe uma nova visão de História.
Nossa História colonial desenvolve-se em função disso; ou seja, a História do Brasil é a História da produção de bens materiais para o consumo externo. Na obra Formação do Brasil Contemporâneo está presente o materialismo histórico, uma das mais fabulosas teorias de Marx.
O Materialismo Histórico considera a produção dos bens materiais necessários à existência dos homens – a estrutura econômica da sociedade – como a força principal que determina toda a vida social humana e condiciona a transição de um regime social a outro. (Marx, K. 1978)
Dessa forma, a História nasce da constante relação homem-natureza, envolvendo a produção dos recursos necessários para a satisfação das suas necessidades.
O autor pode ser considerado original para muitos historiadores, no que tange a análise da abordagem brasileira. Ele entendeu um problema grave advindo da nossa situação colonial. De tal modo Prado faz uma análise em seu livro sobre forças orgânicas e inorgânicas, sendo que as forcas consideradas orgânicas ao sistema são as forças ligadas ao latifúndio a grande propriedade e a escravidão. Já as forças que deveriam portar a construção da nação são inorgânicas ao sistema.
Assim sendo, é perceptível que o autor não pode ser visto como um marxista ou comunista igual aos outros pensadores de seu tempo, ele tem características marcantes, haja vista que a idéia dos conceitos que ele trabalha, que ele define relações, quando estuda a história do Brasil, só pode ser apanhada em sua processualidade histórica.
A visão geral acerca do Brasil e da superação no sentido da colonização que  Caio Prado oferece é extremamente atual. Não cabe apenas dialogar com a própria obra em relação ao período colonial que é sem duvida brilhante justamente no que se baseia na visão materialista dialética da nossa própria realidade.
A colonização não ocorre espontaneamente ou naturalmente, mas com base em sua obra fica mais nítido vislumbrar de uma forma mais crítica que o período colonial é um momento da história do Brasil relacionada aos Grandes Descobrimentos Marítimos, que se encaixa por sua vez na história do comércio europeu (que representa um contexto de análise maior). Todas as políticas conquistadoras e colonizadoras dessa época têm em comum o caráter comercial: é sempre desejando o tráfico de mercadorias.
Deste modo Caio Prado conseguiu mostrar com muita profundidade os limites que as classes dirigentes impuseram para o desenvolvimento do Brasil enquanto nação.


“O senhor de engenho ou o fazendeiro seria um “explorador, o empresário do grande negócio, o dirigente, e, sendo eles das primeiras levas, são de origem ‘nobre ou fidalga’.”Dado a falta de braços e a não emigração, o trabalho escravo tornou-se necessário. (PRADO JR., 1994, p. 144) A partir desses componentes desbrava-se o solo e instala-se nele o aparelhamento
material necessário, e com isto se organiza a produção”. (PRADO JR., 1994, p. 119-122)

É necessário analisar que a situação de servidão involuntária e a existência da escravidão no nosso período colonial impediram o florescimento de uma produção capitalista, que é caracterizada por muitos autores que fazem críticas ao pensamento de Caio Prado no que tange a sua condição de marxista ou comunista, assim o autor esclarece,

“A transformação do latifúndio feudal em exploração capitalista só teria sentido na Europa e na Rússia czarista, onde o senhor perde privilégios e se torna mero proprietário, condição peculiar que coadunará os interesses da burguesia e dos camponeses na disputa pela propriedade. Substituísse o senhor feudal pelo camponês capitalista. Isso seria Reforma Agrária como parte de uma revolução democrático-burguesa.” (PRADO, 1994, p. 59)


Assim é indispensável se ter em vista que como condição necessária e imprescindível para um sistema capitalista é necessária a existência de mão-de-obra assalariada, ou seja, trabalhadores formalmente livres, o que não houve durante esse período, como assim exposto em seu livro:

“Assentado em grandes propriedades, na monocultura e no trabalho escravo, do ponto de vista internacional, a colonização dos trópicos toma o aspecto de uma vasta empresa comercial destinada a explorar recursos naturais. “[...] nos constituímos para fornecer açúcar, tabaco, [...]; mais tarde ouro e diamantes; depois algodão, e em seguida café para o comércio europeu.” (PRADO JR., 1961,p. 252-256)


Toda a acumulação realizada nesses países, em especial Portugal em relação ao período de exploração da colônia foi primitiva e não capitalista. Alguns autores apontam e a conceituam como co-relacionada ao período feudal.

A formação colonial era pré-capitalista com elementos feudais, a escravidão era uma revitalização da Antiguidade Clássica e da Idade Média, sem terem sido extintas até o século XVII. A estrutura social foi estamental, onde, seguindo a analogia do corpo, a cabeça era composta pelos senhores de engenho, fazendeiros e prelados, os braços armados, pelos feitores e toda organização repressiva mantenedora da ordem social, e a mãode-obra era composta de escravos e homens de ofício (artesãos, mecânicos, etc.). O poder nascia mais da terra do que do mercado, as relações eram mais políticas e de violência armada do que monetária (econômica). Os portugueses eram mais aventureiros, traficantes e senhores soberanos estamentais de terra do que empresários, dirigentes e empreendedores comerciais ou capitalistas. (Hirano,1989, p. 256)


O passado colonial do Brasil, cuja razão de ser era a produção em larga escala visando o mercado externo, com sua necessária dependência do trabalho escravo está profundamente impresso nas instituições econômicas, políticas e sociais de hoje. A sociedade era essencialmente agrária e acima de tudo o que caracteriza a sociedade brasileira de princípios do século XIX, é a escravidão.
O autor ressalta que durante esse período a classe explorada mantinha suas necessidades básicas minimamente, sendo que a vida social se restringia às festas religiosas. O alto lucro que gerava levou à prática do tráfico de escravos africanos. Em relação à constituição do povo brasileiro, Caio Prado aponta três “raças”: brancos, indígenas e os negros africanos.
Dentre os objetivos que o autor ressalta sobre a administração da Coroa, seriam o de acompanhar e auxiliar o desempenho das capitanias, estimular posteriormente o desenvolvimento da produção de cana de açúcar, sendo uma de suas prioridades econômicas após a queda da exploração do ouro e diamante.
A indústria açucareira colonial, sem algum tipo de tecnologia era estruturada em sistema de latifúndios, num regime de monocultura, movido essencialmente por mão-de-obra escrava, sendo que esta era a predominante, tendo-se em vista que inicialmente os escravizados eram os indígenas para posteriormente ser composta pelos escravos de origem africana.
O autor cita a necessidade da Coroa no povoamento, fundando vilas. Cita ainda que como resultado da ocupação holandesa e com o processo de formação da industrialização foi sendo necessária a criação de centros de estudos para a corte portuguesa e a aristocracia rural brasileira, surge assim ainda que timidamente uma pequena classe composta por poucos advogados no Rio de janeiro, arquitetos, médicos, pintores e teólogos que vieram para a Colônia. Aos poucos foi acontecendo o processo de urbanização da colônia, ainda com pouquíssimas as ruas que haviam calçamento.
A necessidade de independência da colônia partiu, sobretudo com diversas manifestações da sociedade que, no entanto eram reprimidas de forma violenta. Mais o autor expõe de forma subjetiva que de certa forma a Independência do Brasil começou com a vinda da família real portuguesa.
Modelada nos ideais franceses e ingleses e com influência da Constituição portuguesa, a Constituição de 1824 trazia como principais pontos um governo monárquico hereditário, o catolicismo como religião oficial imposta, a submissão da Igreja ao Estado e o voto aberto e censitário. Havia as eleições indiretas que eram compostas por eleitores das paróquias e das províncias. O poder executivo era exercido pelo Imperador e seus ministros e o judiciário era composto pelo Supremo Tribunal de Justiça. O legislativo era exercido pelo Assembléia Geral sendo que o poder moderador era exclusivo do Imperador.   Ao outorgar a constituição de 1824, D. Pedro I conseguiu descontentar todos os setores da sociedade brasileira.
Em virtude do caráter mercantil inicial, não há preocupação com o povoamento. O  objetivo é somente as atividades mercantis imediatas (comércio de produtos já existentes e de fácil obtenção, inicialmente), o que a América portuguesa não poderia proporcionar naquele momento, pois implicava em gastos em montagem de um sistema produtivo, já que o continente nada oferecia para comércio imediato.
Além disso, a Europa não possuía excesso populacional que viabilizasse a colonização. O que se tem são, inicialmente, simples feitorias que praticam escambo com indígenas e defendem a terra. O grande processo colonizador virá com a queda do comércio com as Índias e a necessidade de gerar novas fontes de riqueza. A idéia de povoar surge então da tentativa de promover atividades econômicas que gerassem lucros à Metrópole, sendo também capaz de abastecer e manter as feitorias encarregadas desse processo e defender a área. Em relação às outras nações européias, Portugal foi pioneiro nisso. Mas perdeu sua posição de maior potência colonial para ingleses e franceses, com o desenvolvimento destes nos séculos seguintes.
Corroborando o que já foi explicitado sobre o pensamento do autor “se vamos à essência da nossa formação, perceber-se-á que o país se constituiu para fornecer açúcar, tabaco e outros gêneros; ouro e diamantes; algodão e depois café para os mercados externos”. (PRADO p. 117).  Isso caracterizou a colônia ao longo de três séculos, dispondo de todas as estruturas e atividades sociais e econômicas para seu desenvolvimento.
O resultado final é que nossa sociedade e economia são moldadas em função desse sentido, o qual se prolonga e se faz notar na nossa evolução até o momento em que o livro foi escrito (1942). Como decorrência desse processo de exploração nos resta uma economia pautada na pobre e na miséria, como expõe o próprio autor:

“Numa palavra, e para sintetizar o panorama da sociedade colonial: incoerência e instabilidade no povoamento; pobreza e miséria na economia; dissolução nos costumes; inércia e corrupção nos dirigentes leigos e eclesiásticos. Neste verdadeiro descalabro, ruína em que chafurdava a colônia e sua variegada população...” (PRADO. p. 353-354)


Destarte, o sentido da colonização brasileira reflete o método de produção e organização da sociedade aí formada. O poder sempre esteve concentrado nas mãos de oligarquias rurais que mantinham seus privilégios e estrutura econômica favorável, a despeito de toda a população rejeitada e explorada pelo sistema.

“A colonização produziu seus frutos quando reuniu neste território imenso e quase deserto, em  300 anos de esforços, uma população catada em três continentes, e como ela formou bem ou mal, um conjunto social que se caracteriza e identifica por traços próprios e inconfundíveis; quando devassou a terra, explorou o território e nele instalou aquela população da Europa, caixas de açúcar, rolos de tabaco, fardos de algodão, barras de ouro e pedras preciosas...” (PRADO p. 354)


É possível se fazer uma análise histórica que o nosso sistema produtivo esteve e está sempre voltado para o mercado externo, e não para a satisfação da população interna; em poucos momentos de nossa História o povo teve uma participação política ativa, que pudesse transformar a sociedade e suas estruturas.
Passamos a sofrer a colonização inglesa, que passou a comandar o nosso funcionamento como país. E sem essa atuação do que o historiador chama como citado anteriormente de “setor inorgânico” colonial nunca constituiríamos uma nação, na visão de Caio Prado.
A obra consegue transmitir claramente uma visão crítica das origens coloniais do Brasil e do seu legado à nação. Divergindo daqueles que entendiam o período colonial em termos equivalentes ao feudalismo na Europa, Caio Prado Jr. o situa no processo de expansão ultramarina européia resultante do capitalismo mercantil.
Para Caio Prado Júnior, compreender nosso sentido é entender a realidade brasileira, sua formação e problemáticas e é isso que ele se propõe a demonstrar no decorrer da obra.

 “Quem percorre o Brasil de hoje fica muitas vezes surpreendido com aspectos que se imagina existirem nos nossos dias unicamente em livros de história; e se atentar um pouco para eles, verá que traduzem fatos profundos e não são apenas reminiscências anacrônicas”. (PRADO p. 11-12)

As conclusões sobre o passado colonial contêm as contradições latentes que se expressam quando se manifesta sobre questões políticas contemporâneas. O autor questiona criticamente a política de exploração da Coroa portuguesa que de forma racional a mesma deveria ter outro tipo de política inclusive para estimular a produção de técnica ou estimular uma maior racionalidade dos recursos naturais.



WÉLLIA PIMENTEL SANTOS

Um comentário:

  1. ÓTIMO LIVRO. NO ENTANTO HÁ ALGUNS OUTROS AUTORES QUE TAMBÉM FAZEM UM RETROSPECTO MAGNÍFICO AO PERÍODO COLONIAL, TAIS COMO SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA EM RAÍZES DO BRASIL E CASA GRANDE & SENZALA DE GILBERTO FREYRE.

    WÉLLIA PIMENTEL SANTOS

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